O cineasta Stephen Mitchell teve a sorte de possuir algumas Ferraris e até mesmo passar um tempo nos pits de Monza com Enzo Ferrari e Juan Manuel Fangio. Ele relembra aqui a Ferrari 250 GTO que usava no dia-a-dia, quando tinha 19 anos.
A 250 GTO #3987 foi o terceiro carro que tive. O primeiro foi um Jaguar E-Type 3.8. Era um belo carro, mas tinha um seis cilindros de baixo giro com uma primeira marcha não sincronizada que parecia uma primeira reduzida de caminhão. O carro se sentia mais em casa em estradas retas do que negociando as curvas na costa de Los Angeles. A segunda foi uma Ferrari Berlinetta Lusso.
Era bem diferente do Jaguar com seu V12 cuja faixa vermelha começava aos 7.000 rpm. A Lusso amava os cânions tanto quanto a rodovia.
Assim como a Lusso era totalmente diferente do E-Type, a GTO também era um avanço frente à Lusso. Tinha um V12 que girava forte com seis Webers e a transmissão tinha cinco velocidades, comparada com as quatro da Lusso. Não me lembro da relação de marchas, mas ao entrar na rodovia, eu passava o mais rápido dos carros antes de engatar a segunda. Isso era um universo de diferença com relação ao E-Type que mal chegava aos 40 km/h antes de pedir a segunda.
Olhando o contexto da época, não havia nada como a GTO. Entre 1967-70, o 3987 foi meu principal meio de transporte, apesar de também ter um Alfa Romeo Giulia Veloce Spider e o Cadillac da família como backup.
Ao entrar no cockpit, nunca me acostumei ao fato dos pedais estarem tão perto. Tenho 1m78cm e meus joelhos abraçavam o volante em um esforço para caber no carro. Qualquer um que já fez a mesma reclamação sobre a Lusso ou a GTE nunca se sentou em uma GTO! Esta falta de espaço para as pernas provavelmente é o resultado do posicionamento recuado do motor para melhor distribuição de peso. A proteção atrás do banco limitava o movimento do banco, então não era possível ajustá-lo para maior conforto. Eu sempre pensei em mover os pedais adiante, mas nunca fiz.
Conversei uma vez com Mark Slotkin, um ex dono da 3987, e ele também tinha uma lista de coisas que queria fazer com o carro e nunca fez. Você se adapta à GTO, não é ela que se adapta a você. Já ouvi comentários semelhantes de outras pessoas.
O espaço para a cabeça era bom e o assento era confortavelmente largo. Uma das minhas coisas favoritas sobre o carro era a posição da alavanca de câmbio em relação ao volante. Visualmente, aquela maravilhosa alavanca de alumínio parece que está alta demais para ser confortável. As pessoas se acostumaram a descer os braços para mudar de marcha. Com a GTO, a alavanca ficava a poucos centímetros do volante, então as trocas podiam ser feitas rapidamente com um curto movimento lateral da mão. À sua frente, o tacômetro entregava que podia ir – e permanecer – em giros altíssimos. Eu jamais ultrapassei os 7.500 rpm.
A visão frontal era definida por dois ressaltos nos para-lamas e o ressalto no centro do capô, que cedia espaço para as doze cornetas sobre os seis Webers. Era um lugar e tanto para se estar!
Ao virar e empurrar a chave de ignição, o motorista era recebido por uma peculiaridade comum às Ferraris da época. O motor de partida produzia um gemido constante ao invés do som mais cíclico da maioria. Para mim, lembrava uma ignição de avião. O motor sempre pegava facilmente e de repente você sentia a nervosa tensão de doze cilindros correndo a 1.000 rpm. Demorava um pouco para aquecer o motor devido ao cárter seco e ao grande reservatório de óleo. A primeira marcha era para a esquerda e para trás na grelha e a embreagem engata diretamente, sem o cuidado exigido na Lusso.
Para os primeiros 4.800 km que eu andei com a 3987, fui até os 5.000 rpm, pelo que lembro. Fiz isso seguindo um conselho do meu mecânico, Sal DiNatale, que havia retificado o motor. No dia em que tirei o carro da oficina (o motor estava em pedaços quando comprei) fui com ele até Phoenix, Arizona para amaciar. Um amigo da família estava dirigindo um episódio do seriado “Then Came Bronson” em Tempe e eu achei que seria uma boa oportunidade para conhecer o carro.
Deixei Los Angeles por volta das 21 horas e dirigi noite afora. Tirando a posição de ioga que minhas pernas adotaram, era muito gostoso de guiar. Seu som rugia mais alto que o da Lusso e a suspensão era claramente pensada para as pistas. Mesmo no giro conservador que eu adotei, a condução era prazerosa e devia ser uma surpresa e tanto para os outros motoristas na estrada, com os seus dois faróis “Le Mans” laranjas acesos.
Naquela noite me acostumei a ouvir seu respiro pela primeira vez. É o interessante som do ar sendo sugado pelas doze cornetas enquanto você aumentava a pressão no pedal do acelerador. Eu teria ouvido isso na Lusso se o filtro de ar não escondesse o som. Mas, isso era algo novo para mim e reforçava o fato dele ser um carro de corrida. Tenho ainda a impressão de que a corrente sincronizadora era mais barulhenta que na Lusso. Isso talvez se devesse à ausência de isolamento acústico, mas é sempre emocionante ouvir todos aqueles sons que normalmente ficavam escondidos.
Isso tornava cada passeio em uma aventura. Algumas vezes, acredite ou não, a Lusso era apenas um meio de transporte. A GTO nunca deixava o motorista esquecer que a estrela era ela!
“Se a GTO tinha algum propósito, era o de ir mais rápido.”
Chegou o dia em que eu recebi o OK de Sal para pisar fundo e ver do que o carro era capaz. E foi isso que fiz. Até aquele ponto, eu apenas havia chegado aos 5.000 rpm e já estava apaixonado pelo carro. Imagine o que aconteceria na primeira vez que o levasse a 7.500! A cerca de 6.000-6.500 rpm, o som do motor muda completamente de um rugido grave para um berro agudo. Era uma experiência transcendental e parecia que o carro agradecia por ter sido libertado. Uma injeção de adrenalina cada vez que experimentava. Felizmente, as pessoas em minha vizinhança gostavam do som e muitas vezes me paravam em público para expressar sua admiração pelo carro. Eu era parado em público pelos membros da patrulha rodoviária da Califórnia que também pareciam gostar da música.
A história da GTO nas pistas fala por si só. Meu tempo com o carro foi após os seus anos de pista, mas antes da organização de corridas históricas populares atualmente. Mesmo assim, organizei ou participei de alguns encontros informais com a presença de outros carros.
Um evento memorável aconteceu no Willow Springs Raceway. Meu conhecido e também dono de GTO Mario Tosi queria dar uma festa de despedida para seu carro, então alguns de nós fomos com ele e passamos o dia correndo pela pista. Naquele dia estavam três GTOs (Cord/Tosi/Mitchell), uma California spider (Peter Helm) e pelo menos uma dúzia de outros carros.
Foi uma ótima tarde. Por pelo menos metade de um dia, deixei pessoas diferentes andarem como carona e é interessante como isso afeta a dirigibilidade perto dos limites. O tanque de óleo é localizado atrás do banco do passageiro e provavelmente oferece um equilíbrio natural para compensar o peso do motorista.
O carro tinha um comportamento bem neutro – ainda que não à maneira de um carro com motor central – e sobre-esterçava quando pedido. Eu gostava da dirigibilidade e pela minha experiência era um carro bem tolerante. Em muitas situações, parecia estar à altura da famosa Breadvan, que na época pertencia ao meu amigo Matthew Ettinger. Ele também usava seu carro no dia-a-dia e muitas foram as vezes em que nós perseguíamos o “tempo mais rápido do dia” em uma das rodovias e estradas da Califórnia.
Como se pode imaginar, a GTO não tinha problemas com longos trechos em alta velocidade.
Frequentemente eu pegava o carro e saía com ele de minha casa em Los Angeles para Las Vegas, Nevada. Nessas ocasiões, se comportava sem nenhum problema, mantendo uma velocidade na casa dos 225 km/h, reduzindo para cerca de 130 quando me aproximava de outros carros antes de ultrapassá-los. Ela numa superaqueceu ou mostrou nada anormal. As únicas concessões para uso de rua foram a instalação de uma ventoinha elétrica para o radiador e o uso de velas frias. Se a GTO tinha algum propósito, era o de ir mais rápido. Não importa o quão rápido se estava viajando, ir mais rápido era a coisa mais fácil do mundo. Depois de dirigir a 230 km/h por um tempo, não era preciso muito para que ele chegasse aos 240.
Se alguém fosse comparar o desempenho da GTO com o de carros mais recentes, é possível se perguntar o motivo de tanta veneração. Mesmo Porsches 911 que saíram não muito depois dela podiam se equiparar ao seu desempenho. A GTO foi o GT dominante em sua época e apesar da passagem do tempo, a maneira como a GTO entrega seu desempenho não mudou. Ela tinha uma personalidade tão definida e característica quanto a do homem que lhe deu o nome. É um autêntico ícone com toda a história, mitos e lendas de um carro que hoje vale dezenas de milhões de dólares. A memória do motor berrando e o tilintar das excelentes trocas de marcha tornam praticamente qualquer outro carro irrelevante para mim. E pude aproveitar de uma forma que os donos atuais nem ousam sonhar. Isso não iria me conter, no entanto, caso tivesse a oportunidade de reviver tudo novamente.
Stephen Mitchell produz atualmente um documentário sobre a 250 GTO. O chassi 3987 atualmente pertence a Ralph Lauren.
Fonte: Jalopnik
Nenhum comentário:
Postar um comentário